Como é de conhecimento da comunidade jurídica, em razão da Pandemia, diversos contribuintes têm buscado na Justiça a suspensão do pagamento da dívida tributária (moratória) por três meses. Ou seja, prorrogar o pagamento de tributos (principalmente, federais) por este período.
A fundamentação geralmente utilizada decorre da aplicação da PORTARIA MF Nº 12, de 20 de janeiro de 2012, que prorroga o prazo para pagamento de tributos federais por três meses, “devidos pelos sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública”.
Assim, os contribuintes argumentam em Juízo que, como houve decretação de estado de calamidade pública afetando-os, aplicando a Portaria haveria fundamento para prorrogação do prazo para pagamento de tributos federais.
Há decisões negando o pedido liminar (p. ex., MS 5004342-79.2020.4.03.6100 – JFSP) com base em dois argumentos principais: (i) a moratória dependeria de lei específica (CTN, art. 152, parágrafo único) e a legislação indicada na Portaria não é específica em relação à decretação de moratória para a pandemia decorrente do Covid-19; (ii) em razão da separação de poderes, não caberia ao Poder Judiciário conceder a moratória.
De outro lado, com fundamento na Portaria MF nº 12, há decisões deferindo a prorrogação do vencimento dos tributos federais, liminarmente (p. ex., MS 5004087-09.2020.4.03.6105 JFSP).
Corre à boca pequena a informação de que a referida Portaria será revogada, buscando, inclusive, deter o aumento de ações judiciais buscando a prorrogação do prazo para pagamento dos tributos federais. Sendo ou não verdade, fato é que começam a surgir outros fundamentos para justificar o pleito do contribuinte.
Veja-se decisão concessiva de liminar, proferida por Juiz da Justiça Federal do Distrito Federal (autos n. 1016660-71.2020.4.01.3400) com os seguintes argumentos: (i) reconhecimento do próprio Poder Público do estado de calamidade, a exigir a suspensão do pagamento (prorrogação concedida pelo Poder Executivo do prazo para recolhimento no regime do Simples); (ii) aplicação, por analogia, da Teoria do Fato do Príncipe para alterar momentaneamente a relação jurídica de natureza tributária, a fim de preservar a existência da empresa e dos empregos; (iv) o fato de que liminares foram concedida pelo STF (ACO n. 3.363 e 3.365), para suspender o pagamento de dívida pelos Estados (nos casos São Paulo e Bahia, respectivamente) à União. Isto é: o próprio STF sinalizaria a possibilidade de suspensão dos pagamentos.
Como ponto central da argumentação, a decisão demonstra preocupação na manutenção dos empregos. Segundo consta dos autos, a Contribuinte em questão gera muitos empregos e a decisão condiciona a suspensão à manutenção dos postos de trabalho. Curioso notar que o Juiz determinou a emenda da inicial para contemplar o pedido de suspensão de pagamento para tributos de outros entes.
A tomar a decisão como parâmetro, o manejo de medidas judiciais para obtenção de suspensão de pagamento de tributos deve ter como base: a demonstração de como a Pandemia afetou os negócios específicos do contribuinte; e como a ausência de prorrogação de prazo de pagamento pode acarretar a demissão de funcionários. Sem dúvida, é o sentimento de preservação social que orientou a decisão do juiz do Distrito Federal.
É possível tecer diversas críticas à decisão, até porque tomou fundamento jurídico geral de Direito Público para prorrogação do prazo de pagamento (Teoria do Fato do Príncipe) contra regra específica relativamente à moratória (o Juiz próprio entendeu pela impossibilidade de aplicação da moratória por ausência de lei específica). Há, inclusive, potencial de lesão à concorrência considerando que algumas empresas serão beneficiadas com as liminares (porque buscaram o Poder judiciário e conseguiram a decisão favorável) e outras não. Mas, não se pode negar, o momento pede medidas excepcionais de proteção às empresas e aos empregados, e as obrigações tributárias entram primariamente nesta difícil equação. O ideal é que houvesse tal iniciativa pelo Poder Executivo por regra clara e igualitária, para desonerar as empresas que têm de passar por esta excepcional situação de calamidade.. Com ou sem ato específico, o Poder Judiciário já tem a missão de encontrar, no ordenamento vigente, a resposta correta para cada caso, no difícil equilíbrio entre evitar o oportunismo e estabelecer meios efetivos de preservar empresas e pessoas que delas dependem.
Tiago Albuquerque – Sócio do Escritório de Advocacia Francavilla, Assis Fonseca e Soares Cabral Advogados.