RE 851.108-SP: impossibilidade de instituição de ITCMD pelos Estados e Distrito federal se o doador for domiciliado ou residente no exterior e, para a transmissão causa mortis, se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior
A Constituição Federal (art. 155, § 1º, III, a e b) estabelece que cabe à lei complementar regulamentar a instituição do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD) quando o doador for domiciliado ou residente no exterior; bem como, quando o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.
Não obstante, ausente a lei complementar, com base nos artigos 24, § 3º, da Constituição, e 34, § 3º, do ADCT, argumentam os Estados e o Distrito Federal pela possibilidade de fazer uso de sua competência plena, instituindo ITCMD para essas hipóteses.
Eis que a discussão sobre a possibilidade de os Estados e o Distrito Federal exercerem a competência plena nestes casos em que a Constituição estabelece a reserva das matérias à lei complementar foi julgada pelo STF (em sessão finalizada no dia 26/02/2021), em recurso extraordinário com repercussão geral (Tema 825). Discutiu-se a legislação paulista (Lei n. 10.705/2000 e Decreto Estadual n. 46.655/2002) que previa a incidência do ITCMD quando o donatário ou herdeiro tiver domicílio no Estado de São Paulo, mesmo para as hipóteses reservadas à lei complementar, conforme a Constituição.
Ainda não consta o acórdão do caso. Mas a certidão do julgamento¹ traz o seguinte:
- O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 825 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux (Presidente) e Gilmar Mendes, que davam provimento ao recurso. Na sequência, por maioria, modulou os efeitos da decisão, atribuindo-lhes eficácia ex nunc, a contar da publicação do acórdão em questão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta: (1) a qual Estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que reajustou seu voto nesta assentada. Tudo nos termos do voto reajustado do Relator. Foi fixada a seguinte tese: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”. No tocante ao apelo direcionado ao legislador, o Tribunal, por maioria, entendeu não ser o caso e divergiu do voto do Relator. Ficaram vencidos nessa proposta os Ministros Dias Toffoli (Relator), Rosa Weber, Roberto Barroso e Nunes Marques. Plenário, Sessão Virtual de 19.2.2021 a 26.2.2021.
Assim, sendo imprescindível a lei complementar, o STF inadmitiu a instituição do ITCMD por lei ordinária dos Estados e do Distrito Federal, quando: o doador for domiciliado ou residente no exterior; o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.
Chama a atenção a modulação dos efeitos fixada, passando a valer a decisão do Supremo a partir da publicação do acórdão (eficácia ex nunc), exceto para as ações (já ajuizadas) nas quais se discuta qual o Estado competente para exação e a própria validade da cobrança nesses casos.
Com a publicação do acórdão, talvez haja esclarecimentos sobre a tese fixada e a modulação dos efeitos. Sem dúvida, a partir do resultado surgem diversas questões: p. ex., se a ação de repetição de indébito está amparada na exceção estabelecida para modulação dos efeitos.
É possível que haja um aumento de ingresso de ações considerando a modulação (efeitos ex nunc, a partir da publicação do acórdão). Aos contribuintes resta o ingresso imediato de eventuais ações, para preservação do seu direito (direito de fazer valer a inconstitucionalidade decretada pelo próprio STF!).
¹ Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4667945. Acesso em 01 de março de 2021.