A necessidade de reformas e o Direito Constitucional

O Poder Constituinte estabelece as regras para a alteração da sua própria obra. Não há maior reconhecimento de que a evolução de uma sociedade poderá tornar um texto obsoleto. Ou também, o processo de emenda à Constituição mostra a aceitação por seus autores de que uma lei pode ter falhas que não foram vistas na sua elaboração e que poderão ser reveladas no curso do tempo, nos sucessivos eventos de sua aplicação.

A compreensão geral de que a previdência brasileira não mais se sustenta vem de dados econômicos e demográficos irrefutáveis. Não há mais meios de financiar aposentadorias que poderiam fazer sentido trinta anos atrás e que hoje se revelam impossíveis de sustentar. É necessário então que a sociedade entre em novo acordo, diverso do que foi concebido pelo constituinte de 1988, sobre um tempo de trabalho e contribuição compatível com um tempo de aposentadoria.

Com o sistema constitucional tributário, dá-se um fenômeno diferente. A discussão de sua reforma se iniciou logo nos primeiros tempos de vigência da Constituição de 1988. Se a reforma previdenciária pareceu emergir de uma nova realidade social em que se vive mais do que antes, a reforma tributária teve origem na constatação imediata de que o nosso sistema fora concebido cheio de equívocos, como se não tivéssemos visto o óbvio durante o processo de discussão e aprovação do texto constitucional que seria então promulgado.

O sistema nasceu complexo, deu origem a tantos códigos quantos Estados e Municípios existem no país, descolou-se dos mecanismos de fiscalização e a arrecadação deficiente veio a ser coberta durante décadas por instituições e aumentos de carga fiscal feitos por novas leis. Combateu-se ciclicamente a sonegação com mais tributação. Multiplicaram-se as normas de interpretação de conceitos e textos legais, as instruções, as ordens, as declarações no plano infralegal como uma tentativa de oferecer estabilidade jurídica para um sistema que devia se sustentar com seus alicerces principais, sob pena de ganhar em segurança muito menos do que perdia com a complexidade não gerenciável que colocou o Brasil no topo do ranking mundial de improdutividade, por horas gastas com o trabalho acessório para o pagamento de tributos.

Mudou a realidade e o sistema de previdência se tornou inadequado. O sistema tributário parece hoje nunca ter sido adequado a nenhuma realidade. Hoje nem a altíssima tecnologia dos sistemas informatizados do país resolve o problema que é ter um sistema que acua quem produz riqueza ao invés de servir de fonte serena e segura para o financiamento e a contribuição de que a atividade estatal necessita.

Para este momento em que tramitam grandes mudanças de dois sistemas essenciais, o previdenciário e o fiscal, os mecanismos de emendas à Constituição serão testados. Se a Constituição prevê os meios para a sua alteração, este reconhecimento de que a realidade muda ou quem faz as leis pode errar vem acompanhado de dois cuidados ou contrapesos: (i) tramitação rigorosa e exigência de ampla convergência de vontades – v. quórum qualificado de três quintos de votos e dois turnos em cada casa; e (ii) algumas limitações de circunstâncias e de matéria, como que elegendo momentos em que qualquer alteração é inadequada e princípios que são imutáveis através dos tempos. São exemplos a vedação de emenda durante a circunstância da intervenção federal (art. 60, §1º) e as matérias que possam tender a abolir o pacto federativo, o voto direto, a separação de poderes e os direitos e garantias individuais (art. 60, rt. 60, §4º).

Este contexto político e social e este quadro constitucional regem os acontecimentos que agora devem ser acompanhados de perto por juristas e operadores. O passo agora acelerado do tramite das reformas no Congresso Nacional exige toda a atenção da comunidade jurídica. O aconstituição seguirá a discussão e a análise de cada item dos projetos de reforma e do novo texto constitucional. As notas de análise virão com este objetivo de contribuir para a discussão e o amadurecimento da nossa compreensão sobre as reformas e a nova realidade constitucional.

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