Aprovado pelo Congresso o PL 4173 em 29 de novembro de 2023, imediatamente fomos procurados por nossos clientes, colegas e amigos para discutir as alterações na tributação da renda da pessoa física. Na verdade, o PL 4173 não chega a ser uma novidade legislativa já que incorpora em boa parte as inovações que haviam sido trazidas na MP 1.184, de 28 de agosto de 2023.
Não obstante, buscando esclarecer algumas dúvidas de ordem mais geral, elaboramos este material para que seja possível fixar um quadro a respeito do tema. Trataremos dos assuntos em três informes separados: este tratará de aplicações financeiras detidas no exterior e de offshore; o segundo versará sobre algumas normas de transição e opções fiscais para tributação de offshore e aplicação financeira, além de analisar o trust; por fim, o terceiro trará ponderações sobre as novidades relativas aos fundos de investimento.
É importante ressalvar que o assunto é complexo e demanda uma análise específica do eventual caso individual, analisando a nova legislação, bem como, as demais normas do sistema tributário. Este material apenas dá uma ideia mais singela sobre os assuntos que são tratados e, por isso, não pode ser tomado como opinião legal ou assessoria jurídica.
Ademais, especialmente para os que estejam preocupados com planejamento patrimonial e sucessório no longo prazo, deve-se compreender o PL em um contexto mais amplo de reforma do sistema tributário nacional, considerando (para ficar nos assuntos mais recentes e emblemáticos): as novas regras de preço de transferência (Lei n. 14.596, de 14 de junho de 2023); a reforma da tributação do consumo (PEC 45/2019); a previsão contida na PEC 45 exigindo do Executivo a proposição de lei dispondo sobre a tributação da folha salarial e sobre o próprio imposto de renda; e até a discussão relativa ao imposto de grandes fortunas (PLP 183/19).
Quanto ao PL 4173, há normas tratando, basicamente, sobre dez assuntos principais, sendo todos relacionados a tributação da renda. É possível dividir os assuntos em dois grandes blocos: o primeiro, relacionado à tributação de pessoa física para a renda gerada no exterior; e o segundo, relativamente aos fundos de investimento. Assim, esquematicamente:
(i) Tributação da renda auferida no exterior por pessoa física residente no Brasil relativamente a:
- aplicações financeiras (artigos 3º e 4º do PL);
- offshores (artigos 5º ao 8º);
- trusts (artigos 10 a 13); e
- atualização do valor de bens e direitos no exterior (artigo 14).
(ii) Tributação de fundos de investimentos:
- instituição de regime ‘come-cotas’ como regra geral, para os fundos constituídos sob a forma de condomínio fechado (fundos exclusivos) ou aberto (artigo 17);
- manutenção de diferimento (tributação apenas na distribuição de rendimentos, amortização ou resgate de cotas) para fundos enquadrados como entidades de investimento – FIPs, ETFs, FIDCs, FIAs (artigos 18 a 24);
- instituição de regime específico para fundos sujeitos à tributação periódica em subconta de avaliação de participações societárias (artigo 26);
- tributação do estoque dos ganhos no regime de transição (artigo 27), com opção para pagamento do imposto sobre o estoque à alíquota reduzida de 8% (artigo 28);
- tributação na hipótese de fusão, cisão, incorporação e mesmo transformação de fundos de investimento a partir de 1º de janeiro de 2024 (artigo 30);
- manutenção do regime favorecida de tributação para os FIIs e FIAGROS desde que preencham critérios específicos mais restritos – p. ex., 100 cotistas (art. 41).
IRPF – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA TIPO DE RENDIMENTO
COMO ERA:
Na maioria dos casos, tributação via carnê leão da renda quando efetivamente disponibilizada ao contribuinte (regime de caixa). Os ativos detidos no exterior eram declarados a custo de aquisição.
COMO FICOU:
Declaração de rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior de forma separada dos demais ganhos. Os rendimentos anuais ficarão sujeitos à alíquota de 15% no período de apuração, independentemente de distribuição. Os ganhos de capital desvinculados das aplicações financeiras continuam com o tratamento tributário anterior.
EVENTUAIS MEDIDAS E ANOTAÇÕES GERAIS
Alteração de forma de apuração do imposto. Deve haver cuidado no preenchimento da declaração de imposto de renda, considerando os novos critérios (inclusive os lançamentos em bens e direitos no caso dos lucros da offshore).
Há a opção legal para realização de step-up do custo, com pagamento de tributo à alíquota favorecida ou o tratamento da entidade como transparente (item que será detalhado na segunda parte).
COMPENSAÇÕES COM O TRIBUTO PAGO NO EXTERIOR
COMO ERA:
Permissão (reciprocidade ou tratado)
COMO FICOU:
Permissão (reciprocidade ou tratado)
EVENTUAIS MEDIDAS E ANOTAÇÕES GERAIS
Cuidado com a manutenção da documentação. A dedução de imposto pago pode ser relevante na apuração do imposto a ser pago no Brasil.
VARIAÇÃO CAMBIAL
COMO ERA:
Como regra, era tributada na realização (da moeda, do ativo subjacente etc.), sendo considerada no acréscimo patrimonial especialmente para os investimentos realizados originalmente em reais (BRL).
COMO FICOU:
Em regra, será computada no acréscimo patrimonial. Há algumas isenções, inclusive, para variação cambial em depósitos em conta corrente não remunerada.
EVENTUAIS MEDIDAS E ANOTAÇÕES GERAIS
A isenção para conta corrente não remunerada (geralmente usada para viabilizar uso de cartão de crédito e débito no exterior) é instrumento importante para os que mantêm recursos para custear estudos ou despesas dos filhos.
APLICAÇÕES FINANCEIRAS
COMO ERA:
Em regra, tributado como ganho de capital no resgate da aplicação financeira (havia diferenciação de tratamento para os investimentos realizados originalmente em reais ou em dólares e dos juros).
COMO FICOU:
Tributação de rendimento anual à alíquota de 15%. O texto parece desprezar a necessidade de disponibilizar a renda ao contribuinte.
EVENTUAIS MEDIDAS E ANOTAÇÕES GERAIS
Há uma definição ampla de investimento (incluindo ativos virtuais e carteiras digitais). Como a legislação aponta para rendimentos, as variações de preço de mercado de ativos financeiros não devem ser captadas pela tributação. Isso pode justificar uma alteração no perfil de investimento.
Pode haver contencioso tributário na hipótese de rendimento meramente ‘acruado’ (não auferido pelo contribuinte).
Atenção para os ganhos com ativos que, antes, eram tratados como ganho de capital e que, agora, serão tratados como rendimento de aplicações financeiras (p. ex., criptomoedas).
COMO ERA:
Tributação da renda só quando disponibilizada ao contribuinte. Havia o diferimento da tributação.
COMO FICOU:
Norma anti-diferimento: tributação dos lucros apurados no ano-calendário em 31 de dezembro de cada ano, independentemente de distribuição.
Essa regra vale se a offshore é entidade controlada direta ou indiretamente pelo contribuinte e está situada em paraíso fiscal ou caso tenha renda passiva (royalties, juros, dividendos, participações, aluguéis) superior a 40%
EVENTUAIS MEDIDAS E ANOTAÇÕES GERAIS
A contabilização da renda da offshore será importante já que a tributação incidirá sobre o lucro apurado, sendo autorizada a dedução de prejuízos.
Poderá haver diversas discussões aqui, p. ex., na forma de apuração (BRGAP), na definição do controle quanto a determinadas estruturas em que o membro mantém direção sobre o seu próprio investimento etc.
COMO ERA:
Somente os lucros distribuídos eram tributados – tributação sob a forma de recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), no mês do recebimento, e na Declaração de Ajuste Anual.
COMO FICOU:
Ainda que não distribuídos, os lucros apurados pela offshore serão convertidos em reais pela cotação do último dia de dezembro e o contribuinte deverá lançar o lucro na declaração do respectivo ano (de forma separada), na proporção da sua participação no capital social, e submeter à incidência do imposto de renda.
EVENTUAIS MEDIDAS E ANOTAÇÕES GERAIS
Os lucros deverão ser incluídos na ficha de bens e direitos da declaração para evitar nova tributação quando da efetiva distribuição.
Tiago Luiz de Moura Albuquerque
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