De forma geral, pode-se dizer que convenção coletiva e acordos coletivos são pactos celebrados entre o sindicato dos empregados e o sindicato patronal (convenção coletiva); ou entre o sindicato dos empregados e as empresas individualmente consideradas (acordo coletivo).
Por meio destes instrumentos as partes coletivas negociam direitos e obrigações muitas vezes além dos que são assegurados em lei. Negocia-se, por exemplo, um maior prazo de licença maternidade, auxílio-funeral, regras de estabilidade etc.
A questão que sempre se debateu a respeito destes pactos coletivos era a respeito da sua vigência enquanto normas. Especialmente: como se daria a vigência dos direitos ali previstos quando simultaneamente (i) cessado o prazo de vigência da norma coletiva e (ii) não houvesse sido celebrada nova norma coletiva.
Muito da discussão nasceu de interpretação do princípio da condição mais benéfica ao trabalhador. Este princípio é também uma regra e está contido no art. 468 da CLT, o qual prevê que as alterações contratuais somente são lícitas quando não representarem danos aos empregados.
Tendo em conta tal princípio e a histórica carga protetiva do Direito do Trabalho, quando instado a manifestar-se sobre o tema, o TST assim o fez na forma da Súmula 277:
“as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificados ou suprimidas mediantes negociação coletiva do trabalho”
Portanto, entendeu o TST que enquanto não houvesse nova convenção ou acordo coletivo sobre os direitos por esta forma anteriormente concedidos, tais direitos continuariam vigentes, não obstante ultrapassado o período de vigência previsto na convenção ou no acordo coletivo que os estabelecera.
Esta é a teoria conhecida como ultratividade das normas coletivas. Os direitos contidos na norma coletiva podem ter vida além do prazo inicialmente estabelecido pelas partes até a superveniência de nova norma coletiva que expressamente os revoguem.
Na prática, entre outras razões de fundo, a busca principal de tal entendimento era fomentar novas negociações coletivas, na medida em que eventual impasse entre os entes coletivos (sindicatos e empresas) não afetaria negativamente os empregados, de certa forma incentivando, ou mesmo compelindo os empregadores a novas negociações.
Tudo isso foi alterado na última sexta-feira, dia 27/05/2022.
Instado a se pronunciar sobre o tema, em ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), o STF julgou inconstitucional a ultratividade dos direitos contidos nas negociações e nos acordos coletivos (ADPF n. 323).
Com efeito, por maioria de votos o STF entendeu não ser possível conceder ao direito negociado coletivamente vigência maior do que aquela inicialmente estipulada pelos entes coletivos do direito do trabalho (sindicatos e empresas). Em outras palavras, após esta decisão, os direitos previstos em acordo coletivo passam a ter vigência restrita ao que inicial fora pactuado, não podendo ser invocados depois de expirado o prazo previsto no respectivo acordo/convenção coletiva.
Entre tantos outros, dois foram os principais fundamentos de tal decisão:
O primeiro, evidentemente, trata da segurança jurídica. Prevaleceu a ideia de que as partes precisam ter um mínimo de previsibilidade sobre os efeitos das concessões recíprocas por elas fixadas no pacto coletivo.
Tal entendimento, que a princípio pode soar prejudicial ao empregado, ao final pode ser benéfico. É que o entendimento a favor da ultratividade das normas coletivas tendia a causar, na realidade, grande engessamento das negociações sindicais, uma vez que o empregador nunca sabia ao certo até quando eventual direito teria vigência, o que impossibilitava, por exemplo, políticas de incentivo específicas e de curto prazo, vez que não se sabia sequer minimamente qual viria a ser o custo daquela política.
O segundo argumento foi justamente a ausência de contrapartida aos empregadores em tal teoria. É que, na prática, os juízes somente utilizavam tal teoria para os direitos, por força do princípio da condição mais benéfica ao empregador, e não para os deveres, o que, para o STF, não se compatibilizaria com a natureza de contrapartidas presentes nos acordos e convenções coletivas, dado que se trata de contrato celebrado entre entes coletivos e, portanto, em tese, sem a hipossuficiência que caracterização tão peculiarmente a contrato de emprego.
Trata-se, sem dúvida, de decisão de grande relevância para o direito do trabalho e direito sindical, na medida em que altera por completo o sistema vigente atualmente sobre o tema e, mais especificamente, tende a estimular a estipulação de cláusulas de curto de prazo, considerando o estágio atual de cada empresa, na medida em que confere mais segurança jurídica para o pactuado entre as partes.
Francisco Rogério Dias
Advogado